Havia um livro que desde sempre vivia em uma estante em um dos cantos da minha antiga casa, sempre o via quando ia tirar a poeira daquela estante velha cor de carvalho que já pendia torta e por isso era apoiada com calço em um dos pés.
Ela possuía três prateleiras que eram ocupadas com coisas que geralmente se encontravam em qualquer casa naquela época: na primeira prateleira um telefone fixo, ao seu lado a lista telefônica, uma bíblia de capa azul amassada, um jarro de flores de plástico e por último um porta retrato com uma foto de uma infância já desbotada.
Na segunda era a moradia dos papéis velhos e revistas que há muito tempo ninguém lia e era lá o habitat daquele livro de capa roxa. Por fim na última se encontrava algumas coisas resultantes de uma vida escolar como: cadernos, provas e agendas escolares que já não fazia mais uso, mas ainda assim mantinha guardados.
Devo confessar que este livro nunca me chamou a atenção, mas tinha curiosidade de saber de sua origem, já que não havia sido comprado ou doado por ninguém, pelo menos até onde eu sabia, é como se sempre estivesse ali, como parte do cenário de maneira natural.
Até um certo dia, de maneira despretensiosa minha mãe revelou que aquele livro havia sido do meu avô, então talvez esse fato tenha despertado o meu interesse, sobre qual era o conteúdo que aquele livro possuía. Já que eu poderia considerá-lo como o único tesouro deixado para uma neta que meu avô nunca chegou a conhecer.
O livro tinha essa capa roxa bem simples e singela, já desgastada pelo tempo, folhas amareladas, um miolo descolado da lombada, várias folhas soltas, em algumas páginas faltavam palavras que o tempo já havia levado. Devo confessar também que tenho um amor por livros com páginas naquele tom, tem uma certa beleza que poucos conseguem entender e contemplar, mas que sempre me atraíram.
Uma capa roxa desbotada daquelas nunca teria chamado minha atenção, mas desde o dia que minha mãe dissera que era do meu avô, confesso que a minha curiosidade falou mais alto.
Em casa não tínhamos muitos livros, os que tinha era bem poucos, a maioria se resumia em livros que ganhei de doação, livros emprestados que “esquecia” de devolver, ou livros comprados em sebos uma vez ou outra nas feiras de livros na cidade, que conseguia comprar com o pouco dinheiro que sobrava da pequena mesada que recebia, mas que na verdade era o meu dinheiro do lanche.
O hábito de ler nunca foi algo forte dentro de casa, nem por parte da minha mãe, ou do meu irmão, então comprar livros não era prioridade, ainda mais para uma mãe divorciada que tinha dois filhos para alimentar todos os dias.
Então uma certa tarde, eu tomei a decisão de ler aquele livro misterioso. Na sua capa havia também uma arma e uma imagem de uma escultura de uma mulher, fiquei pensando se era a imagem de alguma santa, porque esse foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça na falta de uma definição melhor.
Em letras bem grandes na cor preta quase cinza de tão desgastada o título do livro, que achei um tanto peculiar. A primeira pergunta que surgiu foi “Quem aceitaria um convite desses?” A partir disso várias outras perguntas surgiram aguçando ainda mais a minha curiosidade sobre qual tipo de história aquele livro me contaria.
Em cima em letras do mesmo tamanho em um tom de roxo um pouco mais forte que a capa se lia o nome da autora, lembro que achei aquele nome bonito, mas nunca tinha ouvido falar dela na minha vida toda.
Eu estava na época de ler os romances do Nicholas Sparks ou John Green e viver sonhando acordada com um romance de livro ou de cinema, e não com livros que tivesse aquela temática.
Manuseei o livro com cuidado ao folhear as páginas, e no final descobri que fazia parte de uma coleção e que essa tal autora era considerada a “Rainha do Crime”, pelo menos era o que dizia na sua biografia ou no que ainda conseguia se ler dela no que um dia foi uma das orelhas do livro.
Assim que comecei a me aventurar naquela narrativa um mundo que eu não conhecia, que era cheio de mistério e suspense se abriu diante os meus olhos e da minha imaginação, e me peguei surpresa ao perceber que aquele livro de capa roxa atiçou uma parte em mim que eu nem conhecia.
Desde as primeiras páginas lidas que tinham uma letrinha preta miúda, pareciam várias formiguinhas enfileiradas que formavam palavras, algumas já até tinham sumido. Mas aquela autora havia conseguido prender a minha atenção, como jamais nenhum livro havia conseguido, e em suma a história era a seguinte:
Um dia em um vilarejo de uma cidade um famoso jornal trazia um anúncio curioso, que deixou todos da cidade curiosos mas sem entender nada, por isso todos aceitam o convite, e lá aconteceu um assassinato. O ponto é que as luzes estavam apagadas e ninguém viu nada do que aconteceu.
A polícia local até tentou investigar o caso mas sem muito sucesso, por fim é uma senhorinha miúda que é chamada para encontrar o culpado daquele estranho homicídio, Miss Marple. O que me deixou mais presa naquelas páginas amareladas era como ela era muito esperta e inteligente e foi juntando devargazinho todas as peças do quebra-cabeça.
Devorei aquelas letras com os olhos famintos pelo mistério, com o tempo aquele livro se tornou um tesouro muito precioso, eu já estava me sentindo o próprio Sherlock Holmes investigando, fazendo a lista de suspeitos do crime, me imaginando nas cenas com a minha parceira Miss Marple.
A ansiedade de saber quem era o culpado me fez ler aquele livro em questão de alguns dias, mas depois de todas as suposições, motivos para o ato criminoso, novos personagens que apareciam na trama, quando Miss Marple desvendou o crime e o culpado foi alguém que nem sequer passou pela minha cabeça, aí eu que tive que admitir que talvez eu não tivesse o dom para investigar casos de assassinato.
Mas o que eu senti ao ler, foi uma das melhores sensações enquanto leitora, e até hoje me recordo de quando o fechei, e li seu título já desgastado “Convite para um homicídio” de Agatha Christie. Meu primeiro livro de suspense, o livro da capa roxa, o livro do meu avô.
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